Fidelix, o Levy: Falta Vergonha na Cara!

 

Por Lu Silveira

LeviÉ possível se queixar de muita coisa em relação à campanha eleitoral presidencial de 2014: o debate político tem se restringido ao verniz das coisas, as reformas estruturais necessárias não estão sendo discutidas, a superficialidade dos candidatos predomina e, uma vez mais, não há oposição à vista nos partidos políticos na disputa desse ano. Tudo isso será verdade. Mas, paradoxalmente, poucas campanhas tiveram posicionamentos tão claros sobre alguns temas, dentre os quais, a união homoafetiva, que tem sido para a campanha de 2014 o que foi o aborto para a campanha de 2010: dois temas de suma importância para um país que não tem muitos problemas…

Contrariando a máxima de que os melhores perfumes estão contidos nos menores frascos, os maiores atentados às liberdades individuais têm por autores candidaturas minúsculas como a do pequeno Levy Fidelix. Não chega a ser curioso o fato de um candidato ao posto máximo da República, candidato profissional de tantas eleições, defensor da família (seus correligionários que o digam!), usar um nome artístico ao invés de seu nome tal como registrado em cartório?

Levy Fidelix, 62 anos, chefe político do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, “um pai de família, um avô”, acha que falta vergonha na cara. É isso mesmo: a vergonha na cara está em falta, senhores, a começar pelas caras midiáticas. No debate entre os candidatos à presidência, transmitido pela Rede Record no dia 28 de setembro, há sete dias das eleições, Levy foi perguntado sobre a união entre pessoas do mesmo sexo. Esse pai de família, esse avô, não titubeou: “dois iguais não fazem filhos. Desculpe, mas aparelho excretor não reproduz”. E seguiu adiante, equiparando pederastas e pedófilos, conclamando o povo: “vamos enfrentar essa minoria… Que sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas longe da gente”.

A fala de Fidelis (esse é seu sobrenome) revela um problema na aliança que uma expressiva parcela dos liberais acredita ser possível com os conservadores e também uma série de preconceitos disseminados, crenças que norteiam uma ampla porção da população:

  • O primeiro, que a homoafetividade se restrinja ao universo masculino. O universo feminino pode, deve e será “convertido” a seguir a norma heterossexual.
  • O segundo, que a homoafetividade masculina não pode ser aceita e deve ser combatida por homens “de família” por constitutir afronta e ameaça à masculinidade desses mesmos homens; afinal, o “homossexualismo” escapa ao universo de troca de mulheres e formação de alianças.
  • Terceiro, que a família nuclear tradicional é e deverá sempre ser sujeita, na forma e no conteúdo, ao aparelho estatal, que seria nessa concepção o aparelho legítimo para gerir a vida dos sujeitos, ainda que suas condutas não firam os direitos dos demais, que não infrinjam o PNA.
  • Quarto, que a condição homoafetiva é patológica em oposição ao que ele chama normal e passível de ser tratada fora da sociedade, portanto, digna de ser marginalizada e estigmatizada.
  • Por fim, que caberia a um estadista (ironizemos, pois) incitar a maioria contra a minoria. Esse é o locus do maior problema.

É de grande importância em uma república não apenas guardar a sociedade contra a opressão de seus governantes, mas guardar uma parte da sociedade contra a injustiça da outra parte. A Justiça é a finalidade do governo. É o fim último da sociedade civil. Sempre tem sido, e sempre será buscada até que seja obtida, ou até que a liberdade seja perdida em sua busca” (Alexander Hamilton apud Tocqueville, livre tradução)

O problema das maiorias e minorias é clássico no universo da ciência política. Uma maioria robusta e sem limites legais pode esmagar posições minoritárias das mais variadas: desde oposições políticas até os comportamentos desviantes (sempre pensando na normalidade a que se refere Fidelis). O indivíduo, idealmente e no mundo regido por uma constituição laica, nos moldes ocidentais, deve estar protegido contra a violência do mais forte e das facções maiores, conforme escreveu Alexis de Tocqueville.

O candidato, porém, incita ao descumprimento do PNA (pacto de não-agressão) por ser parte de uma maioria: ele chama ao enfrentamento como se desconhecesse a violência legitimada que pode decorrer de sua fala. A liberdade de expressão garante a ele e a qualquer um de nós o direito de dizer o que bem entendemos, desde que sejamos responsabilizados por aquilo que falamos: tudo é da lei. O candidato a presidente da República não faz ideia de que, se a tirania da minoria é abjeta, a violência da maioria também não seja a resposta ideal aos dilemas, sejam eles pertinentes ou não ao aparelho excretor.

Essa situação toda expõe um problema maior: um estado incapaz de cumprir seu principal papel, qual seja, o de garantidor dos direitos naturais, como é o direito à vida e à busca da felicidade – o direito e dever moral de buscar a boa vida (no sentido filosófico de boa vida, de vida digna de ser vivida, não no significado parasitário da expressão).

Há, portanto, uma questão mais premente do que a união homoafetiva: a garantia mesma das condições de sobrevivência dessas uniões em um cenário no qual o aparelho estatal não consegue garantir a proteção da vida dos indivíduos, particularmente aqueles que sofrem violências e são assassinados em decorrência de sua sexualidade (caso dos espancamentos dos gays) ou de seu gênero (caso da violência contra mulheres). Mas essa não é uma preocupação para os avôs ou pais de família normais, constituintes e herdeiros do statos quo. Esses discutem as legislações que devem vigorar: se o casamento gay deve ser aprovado ou não, se a homofobia deve ser criminalizada ou não, em um embate político inútil porque desprovido de enforcement.

Ao fim e ao cabo, a resposta do estado para esses problemas tem sido legislativa e pouco efetiva no mundo real, onde a caneta quase nunca é mais poderosa do que a espada.

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